martes, 27 de febrero de 2018

Rodrigo Mota: “Color Pen”



En São Paulo se celebra la cuarta exposición de Rodrigo Mota, con obras de las últimas dos décadas. Un espléndido texto de M. R. Salgado, que reproducimos a continuación, aborda con fuerza e inteligencia el sentido de estas “explosiones cromáticas” de un artista a quien ya dedicamos una nota con motivo de su impactante libro Tinta da China.

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Color Pen é a quarta mostra individual do pintor e artista gráfico Rodrigo Mota.
Ela registra um conjunto significativo de suas realizações plásticas ao longo de duas décadas de atuação, parte delas anteriormente apresentadas em exposições individuais e coletivas no Brasil e no exterior (Portugal, Chile e Canadá).
Importante destacar sua atuação como ilustrador e diretor de arte em parcerias com escritores e artistas visuais ligados ao movimento surrealista, de que fazem prova os diversos livros por ele graficamente concebidos para a Coleção Ocultura. Em 2013 publicou Tinta da China, livro em que reúne parte de seus nanquins, lançado sob a chancela das Edições Loplop. Em 2017, assinou a capa do segundo ep do laboratório socio-sônico Lombroso, no campo da música ele­trônica experimental.
Como o título sinaliza, em Color Pen temos a reivindicação como instrumento técnico de um objeto ligado à infância: a caneta hidrográfica, que permitiu, em algum momento de nossas vi­das, a materialização da primeira proposição de Lautréamont, segundo a qual a poiesis deve ser feita por todos. Como qualquer um que tenha tomado uma nas mãos sabe, a caneta hidrográfica permite - se não instiga - verdadeiras explosões cromáticas, que são, por sua vez, aqui agencia­das como fenômenos de geração espontânea, nos quais cor e traço são lançados em uma busca por formas sensíveis nem sempre pré-determinadas. A prevalência da cor também evoca a força totêmica do pensamento primitivo, sendo certo que algumas imagens de Color Pen parecem atender diretamente a esse apelo cromático pelo selvagem: boa tinta garante boa caça, a disputa entre acaso e necessidade na ponta de um arpão que se transforma em caneta.
A pujança dinâmica da cor, transposta ao proscênio, desmonta as rotinas de percepção cromática, atuando, sob o mesmo vetor, nas relações gestálticas tendentes à inversão da dinâmica mimética que atrela objeto e seus atributos. Convertem-se, assim, em objetos imaginários: a mente e o invisível mor­dem-se. A atividade plástica passa a ser considerada em relação análoga com a do oceanógrafo: um mergulho pelas regiões pelágicas, uma viagem por labirintos abissais, nos quais, apesar da exuberância cromática, corre-se sempre o risco de se deparar com esqueletos, galerias e galeões submersos, vestí­gios de naufrágios, soçobros de ímpetos, furores asfixiados sob a pressão submarina.
Como a cor, chama atenção a presença do reino animal. De par com figuras recorrentes (baleias, cefalópodes, tardígrados, animais ciliados etc), há ainda animais híbridos, compostos a partir do mesmo princípio de substituições anatômicas que preside a collage como linguagem (para além de sua realização matérica): um pé de batráquio tem por corpo uma cabaça e por cabeça um cefalópode; dois pés de ave suportam uma criatura ciliada que tem uma barbatana à maneira de crista etc. Como os híbridos zoomórficos de Max Ernst, como as bonecas dos Hopi, como os deuses egípcios (Thoth, Amon, Horus), como o Minotauro, estamos diante de uma proposição anatômica com vinculações míticas. As metamorfoses sinalizam para uma contínua irrupção de alteridade: eis mágico. A representação do Outro. A representação da Outra Cena.
É assim que os corpos em metamorfose apresentados em Color Pen, alçando voo para a condi­ção de objetos imaginários (mediante sucessivas operações semióticas deflagradas pela geração espontânea das formas-invólucros) e atuando na faixa de sedimentação simbólica da psique, são, eles também, uma formulação poética da condição humana no universo.
Deitado sobre as águas, observo o céu e, em dado momento, já não sei mais se estou nas ondas com a cabeça voltada para o firmamento ou se a boiar na estratosfera olhando para o mar. Nessa faixa de sedimentação simbólica, as imagens de Color Pen figuram um território - mais que um território, um ponto de observação. Um ponto de observação do céu interior.
M.  R. Salgado
Rio de Janeiro, fevereiro de 2018